HAURIETIS AQUAS
SOBRE O CULTO DO SAGRADO
CORAÇÃO DE JESUS
CORAÇÃO DE JESUS
CONTINUAÇÃO...
1)
Incompreensão da verdadeira natureza do culto ao coração sacratíssimo de Jesus por parte de alguns cristãos
5.
Conquanto a Igreja em tão grande estima tenha tido sempre e ainda tenha o culto
do sacratíssimo coração de Jesus, a ponto de se empenhar em fomentá-lo e
propagá-lo por toda parte entre o povo cristão, e conquanto se esforce
diligentemente por defendê-lo contra o "naturalismo" e o
"sentimentalismo", todavia é muito doloroso verificar que, no passado
e em nossos dias, alguns cristãos não têm este nobilíssimo culto na honra e
estima devidas, e às vezes não o têm nem mesmo aqueles que se dizem animados de
zelo sincero pela religião católica e pela própria perfeição.
6.
"Se conhecesses o dom de Deus" (Jo 4,10). Servimo-nos dessas palavras
veneráveis irmãos, nós, que por disposição divina fomos constituídos guardas e
dispensadores do tesouro da fé e da religião que o divino Redentor entregou à
sua Igreja, para admoestar todos aqueles dos nossos filhos que, apesar de,
vencendo a indiferença e os erros humanos, já haver o culto do sagrado coração
de Jesus penetrado no seu corpo místico, ainda abrigam preconceitos para com
ele, e chegam até a reputá-lo menos adaptado, para não dizer nocivo, às
necessidades espirituais mais urgentes da Igreja e da humanidade na hora
presente. Porque não falta quem, confundindo ou equiparando a índole primária
deste culto com as diversas formas de devoção que a Igreja aprova e favorece,
mas não prescreve, o tem como um acréscimo que cada um pode praticar à vontade,
e alguns há também que consideram oneroso este culto, e mesmo de nenhuma ou
pouca utilidade, especialmente para os militantes do reino de Deus, empenhados
em consagrar o melhor das suas energias, dos seus recursos e do seu tempo à
defesa da verdade católica, para ensiná-la e propagá-la, e para difundir a
doutrina social católica, fomentando práticas religiosas e obras por eles
julgadas mais necessárias nos nossos dias. Por último, há quem creia que este
culto, longe de ser um poderoso meio para estabelecer e renovar os costumes
cristãos na vida individual e familiar, é antes uma devoção sensível não
enformada em altos pensamentos e afetos, e, portanto, mais própria para
mulheres do que para pessoas cultas.
7.
Outros, finalmente, ao considerarem que esta devoção pede penitência, expiação
e outras virtudes, sobretudo as que se chamam "passivas", por não
produzirem frutos externos; não a julgam a propósito para reacender a piedade,
a qual deve tender cada vez mais à ação intensa, encaminhada ao triunfo da fé
católica e à valente defesa dos costumes cristãos, os quais hoje, como todos
sabem, se vêm facilmente infectados pelo indiferentismo, que não reconhece
nenhum critério para distinguir o verdadeiro do falso no modo de pensar e de
agir, e, assim, se vêem lamentavelmente alheados pelos princípios do materialismo ateu
e do laicismo.
2)
Estima e bênção dos sumos pontífices ao culto do sagrado coração de Jesus
8.
Quem não vê, veneráveis irmãos, quão alheias são essas opiniões do sentir dos
nossos predecessores, que desta cátedra de verdade publicamente aprovaram o
culto do sacratíssimo coração de Jesus? Quem ousará chamar inútil ou menos
acomodada aos nossos tempos esta devoção que o nosso predecessor de imperecível
memória Leão XIII chamou de "estimadíssima prática religiosa", e na
qual viu um poderoso remédio para os próprios males que, nos nossos dias de
maneira mais aguda e com mais extensão, afligem os indivíduos e a sociedade?
"Esta devoção - dizia ele - que a todos recomendamos, a todos será de
proveito". E acrescentava estes avisos e exortações que também se referem
à devoção ao sagrado coração: "Daí a violência dos males que, há tempo,
estão como que implantados entre nós, e que reclamam urgentemente busquemos a
ajuda do único que tem poder para os afastar. E quem pode ser este senão Jesus
Cristo, o unigênito de Deus? Pois nenhum outro nome foi dado aos homens sob o
céu no qual devamos salvar-nos" (At 4,12). "Cumpre recorrer a ele,
que é caminho, verdade e vida".(1)
9.
Nem menos dignos de aprovação e adequado para fomentar a piedade cristã
julgou-o o nosso imediato predecessor, de feliz memória, Pio XI, que, na sua
encíclica "Miserentissimus Redemptor", escrevia: "Acaso
não está contido nessa forma de devoção o compêndio de toda a religião, e mesmo
a norma de vida mais perfeita, como quer que ele guie mais suavemente as almas
para o profundo conhecimento de Cristo Senhor nosso, e com maior eficácia as
mova a amá-lo mais apaixonadamente e a imitá-lo mais de perto?"(2) Nós, por nossa parte,
com não menor agrado do que os nossos predecessores, aprovamos e aceitamos essa
sublime verdade; e, quando fomos elevado ao sumo pontificado, ao contemplarmos
o feliz e triunfal progresso do culto ao sagrado coração de Jesus entre o povo
cristão, sentimos o nosso ânimo cheio de alegria e regozijamo-nos com os
inúmeros frutos de salvação que ele havia produzido em toda a Igreja,
sentimentos que tivemos a satisfação de exprimir logo na nossa primeira
encíclica.(3) Através dos anos do
nosso pontificado - cheios não só de calamidades e angústias, como também de
inefáveis consolações -, esses frutos não diminuíram nem em número, nem em
eficácia, nem em beleza, antes aumentaram. Com efeito, iniciativas múltiplas e
muito acomodadas às necessidades dos nossos tempos surgiram para reacender este
culto: referimo-nos às associações destinadas à cultura intelectual e à
promoção da religião e da beneficência; às publicações de caráter histórico,
ascético e místico encaminhadas a este mesmo fim; às piedosas práticas de
reparação e, de modo especial, às manifestações de ardentíssima piedade que têm
promovido o Apostolado da oração, a cujo zelo e atividade se deve o se haverem
famílias, colégios, instituições, e mesmo algumas nações, consagrado ao
sacratíssimo coração de Jesus; e não raras vezes, por ocasião dessas
manifestações de culto, mediante cartas, discursos e mesmo radiomensagens temos
expressado a nossa paternal complacência.(4)
10.
Portanto, ao vermos que tamanha abundância de águas, quer dizer, de dons
celestiais do supremo amor, que têm brotado do sagrado coração do nosso
Redentor, se derramam sobre incontáveis filhos da Igreja católica por obra e
inspiração do Espírito Santo, não podemos, veneráveis irmãos, deixar de
exortar-vos com ânimo paterno a que, juntamente conosco, tributeis louvores e
profundas ações de graças ao dispensador de todos os bens, repetindo estas
palavras do apóstolo das gentes: "Aquele que é poderoso para fazer, acima
de toda medida, com incomparável excesso, mais do que pedimos ou pensamos,
segundo o poder que desenvolve em nós a sua energia, a ele glória na Igreja e
em Cristo Jesus por todas as gerações, nos séculos dos séculos. Amém" (Ef
3,20-21). Mas, depois de tributarmos as devidas graças ao Deus eterno, queremos
por meio desta encíclica exortar-vos, a vós e a todos os amadíssimos alhos da
Igreja, a uma mais atenta consideração dos princípios doutrinais contidos na
Bíblia, nos santos padres, e nos teólogos; princípios nos quais, como em
sólidos fundamentos, se apóia o culto do sacratíssimo coração de Jesus. Porque
nós estamos plenamente persuadidos de que só quando à luz da divina revelação
houvermos penetrado a fundo a natureza e a essência íntima deste culto, é que
poderemos apreciar devidamente a sua incomparável excelência e a sua
inexaurível fecundidade em toda sorte de graças celestiais, e destarte,
meditando e contemplando piedosamente os
inúmeros bens que ela produz, poderemos celebrar dignamente o primeiro
centenário da festa do sacratíssimo coração de Jesus na Igreja universal.
11.
Com o fim, pois, de oferecer à mente dos féis o alimento de salutares
reflexões, com as quais possam eles mais facilmente compreender a natureza
deste culto, tirando dele frutos mais abundantes, deter-nos-erros antes de tudo
nas páginas do Antigo e do Novo Testamento que contêm a revelação e descrição
da caridade infinita de Deus para com o gênero humano, caridade cuja sublime
grandeza jamais poderemos esquadrinhar suficientemente; depois aduziremos o
comentário que sobre ela nos deixaram os padres e doutores da Igreja; e,
finalmente, procuraremos esclarecer a íntima conexão que existe entre a forma
de devoção que se deve tributar ao coração do divino Redentor e o culto que os
homens estão obrigados a render ao amor, que ele e as outras pessoas da
Santíssima Trindade têm a todo gênero humano. Pois achamos que, uma vez
considerados à luz da Sagrada Escritura e da tradição os elementos
constitutivos desta nobilíssima devoção, aos cristãos será mais fácil
chegarem-se "com gáudio às águas das fontes do Salvador" (Is 12,3);
quer dizer, poderão eles apreciar melhor a singular importância que o culto ao
coração sacratíssimo de Jesus adquiriu na liturgia da Igreja, na sua vida
interna e externa, e também nas suas obras; e assim cada um poderá obter frutos
espirituais que assinalarão uma salutar renovação nos seus costumes, segundo os
desejos dos pastores do rebanho de Cristo.
CONTINUA...
O Venerável Papa Pio XII, grande devoto do Coração de Jesus
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